Eu trabalho na Misericórdia da Freguesia de Sangalhos.
E apesar de ser uma Santa Casa, a sua denominação não têm Santa Casa: "Misericórdia da Freguesia de Sangalhos".
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Como?
É possível?
Esta Misericórdia, como as outras 385 existentes no nosso país, nasceram inspiradas pela Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, e esta, como todos nós hoje sabemos, é fruto da ação da rainha D. Leonor, em conjunto com o seu confessor Frei Miguel Contreiras.
Esta nossa rainha, viúva, dedicou-se intensamente a todos os desprotegidos (aos "expostos" - termo da época), nomeadamente os doentes, os pobres, os órfãos, os recem-nascidos abandonados, os prisioneiros e os artistas. Patrocinou a fundação da Santa Casa da Misericórdia, e, em 1498 foi a primeira Organização Não governamental (ONG) legítima em todo o mundo. Uma grande novidade para a época: a existência de uma instituição social que se declara leiga e não governamental.
Esta instituição tornou-se o instrumento de ação social da coroa portuguesa, e é o início da história de assistência em Portugal, ou seja, das práticas ligadas aos costumes e ensinamentos cristãos, realizadas por amor a Deus.
Como tal, nascendo com uma natureza cristã, a fé instituída em todo o reino, D. Leonor, inspirada pela iniciativa de S. Pedro Mártir em Florença em 1244, apoiou esta obra nas 14 obras da misericórdia:
Obras Corporais:
1ª Dar de comer a quem tem fome;
2ª Dar de beber a quem tem sede;
3ª Vestir os nus;
4ª Dar pousada aos peregrinos;
5ª Assistir aos enfermos;
6ª Visitar os presos;
7ª Enterrar os mortos.
Obras Espirituais:
1ª Dar bons conselhos;
2ª Ensinar os ignorantes
3ª Corrigir os que erram;
4ª Consolar os tristes;
5ª Perdoar as injúrias;
6ª Sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo;
7ª Rogar a Deus por vivos e defuntos.
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A partir deste exemplo, com o apoio do Rei D. Manuel I, surgiram muitas Santas Casas por todo o reino, e para além do reino. Hoje em dia, para além das 386 existentes em território nacional, existem 631 Santas Casa no estrangeiro:
Prestam apoio á comunidade essencialmente em duas áreas: apoio social e cuidados de saúde. Por dia, as 386 Misericórdias nacionais acompanham mais de 150 mil portugueses em todo o território nacional. São 462 estruturas residenciais para pessoa idosa, 420 serviços de apoio domiciliário, 315 creches, 262 pré-escolares, 23 hospitais, 112 unidades de cuidados continuados, entre muitos outros equipamentos.
Também são responsáveis por iniciativas de inovação social e valorização da cultura local. Produção de artesanato e de bens alimentares, edição de livros e recuperação de tradições, como o cortejo de oferendas, são apenas alguns exemplos para valorizar a nossa identidade.
Aproveito para esclarecer aqui algo muito importante: as Misericórdias são independentes umas das outras. Simplesmente, têm as mesma fonte de inspiração: a obra de D. Leonor. A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa ou do Porto não têm nada a ver com a Misericórdia de Aveiro ou Sangalhos!
Assim, e retomando a história inicial, a Misericórdia de Sangalhos, em 1937, pretendeu constituir-se mas encontrou um obstáculo: já existia uma Santa Casa de Misericórdia no concelho em questão: a Santa Casa da Misericórdia de Anadia. E para quem não sabe só pode existir uma "Santa Casa" por concelho! Assim, impedida de se registar como tal, mas querendo, e muito, ser ser semelhante à Santa Casa da D. Leonor, e, neste caso específico, dar resposta às necessidades de saúde existentes na freguesia, registou-se como "Misericórdia da Freguesia de Sangalhos".
Existe mais uma ou duas no país com a mesma particularidade. E como alguém que eu conheço, respeito e admiro, costuma a dizer: não somos Santa Casa, mas se calhar somos mais "Santas" que muitas Santas Casas!
Independentemente da minha crença pessoal, eu não devo esquecer da responsabilidade do que é ser trabalhadora de uma Misercórdia:
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"Cada um, dentro de suas possibilidades e dons, deve em diversos momentos da vida fazer obras de misericórdia.
Para uns é mais fácil visitar enfermos, para outros é mais fácil ensinar os ignorantes. Mas para todos, em alguma fase da vida, surgirão os momentos de "perdoar as injúrias" e "sofrer com paciência as fraquezas do nosso próximo".
Diário de Santa Faustina: "O Amor é a flor e a Misericórdia é o fruto".
Todo ato de amor resulta em misericórdia, não há como fugir desta verdade!
O mais pequeno ato de amor que eu praticar, terá como resultado a misericórdia!
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Meu Deus, como foi para mim uma grande surpresa toda esta história!
E, para além disso, o tomar consciência, ao longo da minha caminhada,
da vantagem que tenho por trabalhar numa instituição,
uma obra que foi inspirada no Amor e moldada para distribuir Misericórdia!
Um privilégio e uma grande responsabilidade!